29 de abril de 2012

Carta à vida


Cruzei-me com este texto numa livraria do Chiado e deliciei-me com a simplicidade das palavras. É lindo e por isso quero partilhar.


"Leva-me contigo vida.
Vamos fugir deste mapa cinzento e só regressar quando as cores da nossa vida se
tocarem numa trincha larga e infinita que nos ligue eternamente.
Quero apaixonar-me por ti e que vivas em mim.
Quero ser a infinidade contigo e caminhar com a simplicidade de uma mão dada.
No caminho que ambos pintarmos seremos artistas das quatro estações, nos quatro
cantos do mundo.
Leva-me contigo para um lugar qualquer, longe ou perto, onde exista um espelho mágico
tão grande, que não tenha alternativa senão olhar-me nele, autodescobrir-me para além daquilo que os olhos se apercebem e finalmente encontrar-me comigo e com o amor.
Pode ser aqui, ali ou acolá.
Para Norte, Sul, Este ou Oeste.
Para o calor do deserto ou para o gelo do Ártico, para uma praia encantada de água
azul cristalina ou para o interior de um castelo no cimo de uma montanha.
Leva-me para esse sítio encantado, onde me possa libertar dos condicionamentos do
tempo e das suas ilusões e aprenda a desligar a mente e a viver no único momento que é real, o presente.
Convida-me a olhar em volta sem interpretar nem julgar.
A ver as luzes, as formas, as cores, as texturas e a sentir a presença silenciosa de
cada objecto.
Não quero continuar a olhar sem ver, a ouvir sem escutar.
Por isso leva-me nos teus sentidos e distrai os meus para que não saiba para onde
vou, não veja o destino na sala de embarque, não ouça o ruído da partida, nem me aperceba se me levas pelo ar, pelo mar, pela terra, ou, simplesmente, por magia.
Surpreende-me.
Acredito em ti como nunca acreditei e reconheço em mim uma máscara enferrujada que
preciso deitar fora e um muro intransponível que preciso derrubar.
Ainda não sei o que é essa liberdade mas conto contigo para me levares lá.
Não me digas que não podemos ir e emite-me esse bilhete.
Peço-te.
Sei que esperaste por mim todos estes anos, mas só agora estou pronto para derrotar
os meus medos e entregar-me a ti.
Quero despojar-me do meu passado e renascer.
Leva-me vida e eu levo comigo apenas o necessário para os primeiros passos, pois sei
que me providenciarás de tudo o que necessito.
Ouvirei o rufar triunfante da minha respiração e o palpitar do meu instinto.
Verei a sedução condutora da Natureza e através do seu manto de luz guiar-me-ei pelas
estrelas, ventos e marés, até dar de caras comigo num lugar qualquer onde o tempo não existe e as pessoas possam sorrir, simplesmente, por saberem que possuem o bem mais valioso de todos... TU.
E eu quero sentir esse sabor.
Leva-me contigo pois só assim poderei renascer dentro do meu próprio coração e ter
alma de pássaro."

(G.S)

28 de abril de 2012

Hope


Tudo na Guiné-Bissau parece estar mais calmo.
Hoje a esperança volta a surgir e a fé de que o futuro vai ser diferente, vai ser melhor.

22 de abril de 2012

Na cozinha com a Djenabo


Hoje acordei com saudades das cores, dos cheiros e dos sabores da Guiné-Bissau.
E como é das coisas mais simples que tiro os maiores prazeres e das quais nunca me esqueço, acreditem que dava tudo para ter no meu pequeno-almoço o pão do orfanato e o leite em pó que todos os dias tomava no comedor (casa que vêm na fotografia) ao som dos imensos e exóticos barulhos dos pássaros e de outros animais.
Todos os dias por volta das 7h da manhã, para fugir do calor intenso, era aqui que começava o meu dia e que ia buscar energias para enfrentar tudo o que viria pela frente.
Ao mesmo tempo e no refeitório ao lado, chegavam as primeiras crianças que alegremente agradeciam e abençoavam a cantar a sua primeira refeição do dia.
Para mim que adoro madrugar este foi sempre o ritual que mais prazer me deu.
A esta hora as vozes dos mais pequeninos eram música para os meus ouvidos.
Mas do que eu gostava mesmo, e não é conversa de quem está longe e nostálgica, era do arroz com feijão que a Djenabo (na foto) cozinhava todos os dias sem excepção.
Para além da simpatia, generosidade e do sorriso constante, a Djenabo tinha o dom de cozinhar coisas simples mas saborosas e que ao contrário do que era de esperar, me fizeram voltar da Guiné com alguns quilos a mais.
A juntar a tudo isto, e como o filho da Djenabo tinha um negócio de frutas, por vezes era presenteada com as mais doces e maravilhosas mangas que alguma vez imaginei que pudesse vir a experimentar.

21 de abril de 2012

Mãos amigas em tempo de crise






É bom sentir e saber que os amigos do orfanato Casa Emanuel ajudaram mais uma vez neste momento de crise.
Apesar de isolados, nos próximos dias não vão faltar água, leite, combustível, sumos, arroz e frango.
Tão bom!

"Pese a los días de incertidumbre y confusión que se han vivido en Guinea Bissau a raíz del golpe de Estado acaecido el pasado 12 de abril, Dios nos ha ayudado a salir avante con esta gran familia de 150 niños y niñas aquí en Casa Emanuel.
Sin la posibilidad de acceder a la ayuda monetaria de personas y organizaciones amigas en el exterior, debido al cierre de los bancos nacionales y de las empresas de transferencias de dinero, estábamos viviendo el día a día con las provisiones justas para cubrir las necesidades básicas (alimentación, energía y agua).
Hoy, después de una publicación que hiciera el señor Antonio Aly, en su blog Ditadura do Consensu, hemos tenido la gran alegría de recibir en nuestra casa los donativos de amigos que se han solidarizado con esta obra. La señora Filomena, dueña de una empresa de bebidas, fue la primera en visitarnos para proveernos de jugos instantáneos.
El combustible, sin el cual no podríamos hacer funcionar la bomba para obtener el agua del pozo, nos fue donado por el empresario Mike Nancassa y por otra institución que nos ha acompañado a lo largo de varios años, la Cooperación Portuguesa.
Luego han venido los alimentos (arroz, pollo, leche, cebolla, papas, y mucho más), pañales desechables para los bebés y productos de limpieza así como dinero en efectivo, esta vez de la mano del Grupo de Amigos de Buena Voluntad. Dos millones de francos cefas fue el valor total de la donación (especies 1500 fcfc y efectivo 500 mil fcfc)..
Sobra decir la gran tranquilidad que esto nos da pues durante un tiempo más podremos brindar a nuestros niños y niñas la seguridad que ellos merecen recibir.
Agradecemos sinceramente a todas estas personas por su sensibilidad ante la necesidad de los demás y damos gracias a Dios, a quien llamamos Emanuel, porque sin duda alguna Él está con nosotros."

18 de abril de 2012

Guiné frágil




A Guiné-Bissau, apesar de todas as suas fragilidades, tem coisas fantásticas, que nos prendem e que nos fazem querer voltar.
Como as pessoas que por lá conheci e de quem tenho muitas saudades.
Os últimos dias na Casa Emanuel têm sido difíceis, de muitas incertezas, instabilidade e de alguma angústia para todos os que lá estão.

"Estamos a ter alguma preocupação pois temos 150 crianças no orfanato, 450 alunos na escola a funcionar (onde muitos alunos comem a única refeição do dia) e o Hospital onde continuamos a atender todos os dias as pessoas que aqui chegam e grávidas que têm feito o acompanhamento da gravidez e agora vêm para ter os seus bebés.
Decidimos que não sairemos daqui pois jamais poderemos sair com tantas crianças e com o Hospital a funcionar.
A nossa maior preocupação é a nível do combustível pois sem o combustível não podemos tirar água do furo e temos aparelhos no Hospital que necessitam de energia. Também estamos sem dinheiro para comprar alimentação, nomeadamente: arroz, açúcar, leite em pó, leite para bebes Guigoz nº 1, farinha, fermento, ovos, e qualquer outro alimento que possa ser doado. Também estamos com poucos produtos de limpeza e desinfecção, especialmente sabão e lixivia. A nível do Hospital estamos sem luvas.
Agradecemos toda a ajuda que possa ser dada pois só estamos fazendo este apelo porque estamos mesmo necessitados e preocupados."


Quero acreditar que a calma vai voltar a Bissau e que todos vão voltar a sorrir muito brevemente.
Porque o "sol manci na Africa" também.
N'misti bós tudu que traduzido para português significa "amo-vos muito."

14 de abril de 2012

Felipe e o homem aranha



Ontem à noite tive a felicidade de falar com o Felipe, um dos rapazes da Casa Emanuel, filho adoptivo da Mami, uma das suas directoras.
Tão bom perceber como a ingenuidade das crianças leva-as a não perceber as barbaridades que se passam mesmo ali ao lado, fora dos portões do orfanato.
O Felipe tem um irmão gémeo, tal como eu, e falávamos muitas vezes sobre esta coincidência.
Quando estive na Guiné o Felipe era ainda um menino, tão doce e tão meigo que eu fazia questão de lhe dar umas aulas especiais só para ele poder desenhar.
Ora estava na sala de aulas ora do lado de fora, à janela, a espreitar para dentro, com a curiosidade de quem tem ainda muito para aprender.
E sempre a sorrir...
Eu adorava estar com ele e ouvir as suas histórias e sonhos.
O desenho era uma das suas grandes paixões, a outra era o homem aranha.
E 3 anos depois o Felipe já não é um menino mas continua meigo, a adorar desenhar e fã incondicional do mesmo personagem de banda desenhada.
Ontem confessou-me que tem uma surpresa para mim e que a vai guardar até eu a ir buscar.
Encheu-me o coração e mesmo à distância mimou-me, como sempre fazia.
So sweet!

13 de abril de 2012

Hoje tenho o coração apertado






Hoje tenho o coração tão apertado que o que mais desejava era poder estar lá ao pé deles, poder abraçá-los, reconfortá-los e dizer-lhes que tudo vai correr bem e que os seus futuros vão encher-se de esperança.
Que o país onde nasceram vai finalmente ter Paz e tranquilidade e que os "homens" vão deixar-se de egoísmos, de guerras, de tribalismos e de lutas pelo poder.
Mas não é assim que funciona.
Custa-me assistir de longe à falta de amor pelo próximo e a tanta ganância.
Quando cheguei à Guiné tinham assassinado o Presidente da República e o Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas exactamente pelos mesmos motivos.
Assisti ao clima de insegurança e de medo de novas eleições, à eleição do novo Presidente (que acabou por morrer e não cumprir o mandato), falava com as crianças sobre a Paz e fazíamos trabalhos na escola sempre focados num futuro melhor.
Mas hoje a história repete-se e os discursos pacifistas dos novos candidatos vão por "água abaixo".
Tentativas de assassinato, golpes de Estado, tiroteios nas ruas, violência e nada de Paz.
Deus queira que tudo volte à normalidade e que a Guiné possa ver eleito um novo Presidente com mais valores e outra mentalidade.
Tudo em nome das crianças que são o futuro do país e que possam crescer com valores e ideais de Paz e Amor e deixar de ter os de conflito como exemplo.

11 de abril de 2012

Um Presidente e Paz para a Guiné


A Guiné-Bissau está mais uma vez a eleger o seu Presidente.
Desde 2009, altura em que lá cheguei e dias depois do então Presidente ter sido assassinado, percebi que o país vive em permanente turbulência e conflito entre governo, militares, etnias e religião.
É uma pena que o povo desta pequena democracia tenha mais uma vez que pagar por todos estes erros e que eles ponham constantemente em risco a sua paz, estabilidade e segurança.
Nesta nova campanha eleitoral a Paz é pela primeira vez um tema dominante de todos os candidatos.
É uma grande evolução.
A Guiné-Bissau tem sido rotulada como um país de guerra, que fez 11 anos de guerra da libertação, depois 11 meses de guerra civil, e que teve vários episódios violentos.
Os novos candidatos dizem-se pacifistas e querer romper com a onda de violência.
A Guiné-Bissau precisa disso.
De um novo Presidente e de viver num clima de Paz e esperança num futuro melhor.

5 de abril de 2012

3 anos depois


Este mês de Abril faz 3 anos que num impulso fiz as malas e "voei" até à Guiné-Bissau.
Confesso que não sabia o que esperar e que para além da enorme curiosidade tive também algum medo do que poderia lá encontrar.
Quando se "embarca" numa viagem destas apenas sabemos que os nosso problemas e receios têm que ficar para trás pois só assim podemos nos entregar de corpo e alma ao trabalho voluntário e a ajudar quem mais precisa.
No meu caso sabia que ia trabalhar com crianças órfãs e isso já me enchia as medidas.
Mas sabia também que muitas delas estavam doentes e tinham HIV.
Decidi que ia dar o meu melhor e que se fizesse tudo com o coração só poderia correr bem.
Cheguei a Bissau às 2h da manhã, uma cidade sem luz eléctrica, literalmente às escuras.
Mal saí do avião senti a humidade no ar e o cheiro a terra molhada e imediatamente tive consciência que estava em África e que o seu calor me abraçava.
Era lá que iria passar os próximos meses.
E foi lá que a minha maneira de ver a vida se alterou e que aprendi as melhores lições.
É verdade que a realidade da Guiné-Bissau como sendo um dos países mais pobres do mundo é muito dura mas foi também na Guiné que pude testemunhar o que é amar sem esperar nada em troca, o que é sorrir perante as adversidades e manter a esperança apesar de muita crueldade e injustiça.
Aprendi a cantar e agradecer, aprendi a dançar à chuva e vê-la como uma benção, aprendi a sorrir mesmo quando só tinha motivos para chorar, a abraçar quem nunca tinha visto e a dar o melhor de mim todos os dias.
Claro que também vi muitas coisas que não me agradaram e presenciei momentos que quase me fizeram desistir da minha "missão" mas foram as crianças que me deram a mão e que me puxaram, sem saberem, para eu ficar.
Penso que quem vive uma experiência como estas nunca mais vê o sol nascer da mesma forma e as palavras não chegam para contar tudo o que se sente.
É gigante o que recebemos e tão pequenino o que deixamos.
Desperta em nós uma maior consciência social, um lado mais humano e muita vontade de dar, aqui, lá ou em qualquer outro lugar.
Este ano se Deus quiser volto à Guiné e cumpro o que prometi.
Voltar.

1 de abril de 2012

É urgente


Descobri hoje este poema.
Adoro e é de Eugénio de Andrade.
É lindo na sua simplicidade.
Nele está escrito e implícito quase tudo aquilo em que acredito.
Tem tudo a ver com as mensagens que ao longo dos meses tenho partilhado neste espaço.
Tem tudo a ver comigo.


É urgente o amor.
É urgente um barco no mar.

É urgente destruir certas palavras,
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos,
muitas espadas.


É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.

Cai o silêncio nos ombros e a luz
impura, até doer.
É urgente o amor, é urgente
permanecer.