12 de maio de 2012

Sinal de Deus

Alunos da Escola Comunitária da Casa Emanuel

Uma criança na Guiné-Bissau não tem o mesmo valor de um adulto. Tem menos. Ocupando uma posição socialmente menos válida, dá-se menos atenção às suas necessidades e direitos. Mas, ainda há algo pior do que ser criança: ser criança órfã.

Os direitos das crianças são uma batalha relativamente recente, mesmo no mundo dito desenvolvido. Portanto, não é difícil concluir que a discussão das necessidades e fragilidades dos mais pequenos ainda não chegou à Guiné-Bissau. Aliás, basta um primeiro olhar para perceber que a criança não tem grandes defesas.

A hierarquia social e cultural coloca os mais velhos no topo da pirâmide e os mais novos em último lugar, o que se revela em actos tão básicos como comer. Às refeições, os anciãos comem primeiro do que as crianças, os homens primeiro do que as mulheres. As crianças e as mulheres comem os restos, se os houver.

A Associação Orfanato Casa Emanuel é a única organização presente na Guiné-Bissau que acolhe miúdos com problemas. Como o Gabriel, que ficou com os bracinhos pelo meio e as pernas muito frágeis porque "a mãe estava a tomar algum remédio durante a gravidez e, depois, quando ele nasceu, tentou matá-lo por asfixia", conta Eugenia Guardia, uma das missionárias do orfanato.


Gabriel

Na Guiné-Bissau, é frequente atribuir-se a deficiência ao castigo de um irã (divindade do animismo). Muitas vezes, a família questiona mesmo se o recém-nascido será um ser humano e, para tirar a prova dos nove, submete a criança a provas de força, como permanecer ao relento no meio do mato, para que o irã decida o que fazer com ela.

A partir do centro de Bissau ainda têm que ser percorridos cerca de oito quilómetros até chegar ao bairro onde se instalaram os missionários evangelistas da Costa Rica e do Brasil que fundaram a Associação Orfanato Casa Emanuel em 1995.

É em Hafia, no meio de uma frondosa vegetação, que surge o grande portão vermelho que proporciona às crianças abandonadas a entrada num mundo com um pouco mais de dignidade e de amor.

Esta é já a terceira casa do orfanato, as duas anteriores eram demasiado pequenas e foram assaltadas. Desta vez, a mudança fez-se para um terreno próprio, com 16 mil metros quadrados e que conta já com uma escola e um mini hospital.

Vista aérea da Associação Orfanato Casa Emanuel


O "sinal de Deus"

Há dezassete anos, uma equipa de quatro missionários chegava a Bissau para ajudar os guineenses de alguma maneira. Começaram com um dispensário médico, até porque tinham formação em saúde. Nem passou um ano e aperceberam-se de que as crianças eram a população mais afectada, mais abandonada e mais em risco de vida. Decidiram recebê-las.

A primeira a encontrar um lar na Casa Emanuel foi Mariama, que tinha sete meses e pesava apenas dois quilos. Era filha de uma mãe cega, que não conseguia tratar dela. Quando a directora da associação a encontrou em Gabú (Leste do país), a menina tinha sarna e mordeduras de rato, já lhe faltava um pedaço de orelha e estava subnutrida.

"Sentimos um sinal de Deus para ficarmos com a criança", explica Eugenia Guardia, acrescentando que foi apenas o início de um "ministério". Mariama, hoje com dezassete anos, é uma veterana. “Começaram a chegar mais crianças e tivemos que abrir a porta, apesar de não estarmos preparados”, reconhece.

Eu e a Catarina com a Mariama

Eu e a Mariama

Os meninos que se encontram na Casa Emanuel são, na maioria dos casos, órfãos de mãe. Perante a morte da mãe, o pai "ou deixa morrer a criança ou procura quem fique com ela". A instituição, que já estabeleceu uma parceria com a Procuradoria de Menores para receber órfãos, tem direito legal sobre as crianças que recebe e já conseguiu negociar com o Estado guineense uma crucial isenção de impostos.

Sendo todos cristãos e partilhando uma mesma doutrina, os missionários que vivem na Casa Emanuel não pertencem à mesma igreja, fazendo da organização um espaço "interconfessional". Os "irmãos" que vivem noutros países "mandam dinheiro" para ajudar o orfanato. As despesas da associação rondam 5000€ por mês, os donativos asseguram cerca de metade. "O resto vem miraculosamente", brinca Eugenia Guardia.

Na Casa Emanuel, o futuro constrói-se "a pouco e pouco" e, desde o conflito político-militar de 1998-99, com mais dificuldades mas sempre com amor e esperança.

4 comentários:

  1. Excelente lição de vida.
    Também gostava de participar numa missão como esta.
    Continua, com os teus posts, a dar-nos lições de moral.
    Beijinhos

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  2. Que o Amor, a boa vontade, a solidariedade, a Esperança e todas as outras palavras que não tenho para descrever tudo aquilo que a vossa associação representa, sobreviva a tudo o resto, à guerra e à falta de bom senso entre os homens!
    Que Deus vos dê força para continuar a lutar por todas estas crianças, porque elas são o melhor do MUNDO!!!
    Um beijo grande a todos!

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  3. Boa tarde. Fiquei sensibilizada com o trabalho que tem feito para ajudar criancas na Guine.
    Gostava de ajudar uma crianca e nao sei se me podem dar orientacoes.
    Nao sei se dou o meu email ou nao. Dulce

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    Respostas
    1. Ola Dulce!
      Obrigada pela mensagem.
      Envie me um mail para apadrinhamentos@coracaosemfronteiras.org que eu respondo.
      Beijinho

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