3 de março de 2014

Um parto difícil












Quando nos deslocamos para situações destas, em que o que vamos encontrar, longe do conforto das nossas "vidas", são situações complicadas, delicadas e em que temos que nos entregar de corpo e alma, com tudo aquilo que temos e não temos para dar, e estou a falar não só do conhecimento técnico mas também dos afectos, é natural criarmos laços fortes com outros voluntários e missionários que estão no mesmo "barco" que nós.
Foi o que aconteceu com a Carolina, uma miúda costa riquenha, a terminar o curso de medicina, muito simpática, sorridente, despachada, cheia de energia e com uma forma de estar com a qual me identifiquei logo no primeiro dia.
A Carolina, como não tem nenhuma especialidade, basicamente estava disponível 24h por dia para o que fosse preciso e que estivesse dentro das suas competências. Na verdade, em África, quando os meios são tão escassos, alguém a terminar o curso de medicina, pode ser muito útil e fazer 20 vezes mais do que num qualquer hospital de um país evoluído.
Para além disso, tal como eu, ela adora fotografia e como a bagagem com todas as suas coisas perdeu-se ou desapareceu no voo que fez para Bissau, costumávamos partilhar a minha máquina fotográfica.
E assim começa um dos momentos mais emocionantes desta minha viagem, quando a Carolina me disse para preparar a minha máquina e a "mim" porque a qualquer momento teríamos que ir a correr para o hospital pois ela ia ajudar numa cesariana, à partida complicada, e eu podia assistir e registar o momento.
Acho que não consigo expressar por palavras a emoção que estava a viver. São muitas as histórias que conheço e ouço falar na Guiné, de mulheres que morreram nos partos, de partos complicados, de bebés que não resistiram ao parto, de crianças que nascem com deficiências profundas, aliás todas estas situações estão muito presentes diariamente no orfanato pois constantemente são lá "deixados" bebés e crianças vítimas destas situações.
Mas continuando, lá fomos nós a correr para o hospital para o tal parto difícil...
Na realidade não se trata bem de um hospital mas de um Centro Médico que graças à ajuda de algumas entidades e ONG espanholas e portuguesas foi possível construir em tempo recorde e com alguns meios que infelizmente não existiam até à data na Guiné e que foi inaugurado em 2009 quando eu estava lá a viver. (Aqui podem ler o post sobre a inauguração do CM Emanuel).
A particularidade deste Centro Médico é que está equipado com uma maternidade, uma raridade na Guiné já que neste país as mulheres têm os filhos onde calha...
Quando lá chegamos já estava tudo a postos para a cirurgia, um médico anestesista cubano, um cirurgião guineense, um enfermeiro Argentino (a estudar para médico e também actual director do hospital) e uma parteira.
A mãe, ao contrário do que é costume na Guiné, já tinha 28 anos e este era ainda o seu primeiro filho.
Tinha feito muitas dezenas de quilómetros num toca-toca, transporte público local, pois vivia numa tabanca no meio do mato e não tinha outra forma de lá chegar. Estava calma, serena mas com um ar assustado.
A gravidez já estava muito avançada e segundo o que me foi dito o bebé tinha o cordão umbilical à volta do pescoço muito enrolado e por isso teria que ser feita uma cesariana de urgência. 
Tudo parecia correr bem até eu perceber uma correria súbita e um ambiente estranho, o bebé estava completamente azul, roxo eu nem sei bem explicar. O meu coração quase que parou. O tal momento super emocionante transformou-se de repente num vazio quando percebi que o bebé poderia estar morto.
Por momentos guardei a minha máquina fotográfica e tive uma enorme vontade de fazer alguma coisa para ajudar, qualquer coisa que evitasse a morte daquele bebé.
Seguiu-se um silêncio assustador, não havia choro, sinais de respiração, nada... 
Apenas o som violento das palmadas e das tentativas de reanimação.
Ufffa, nunca me soube tão bem ouvir um bebé a chorar, gemer e gritar!!!
Mãe e filho estão bem!
Afinal esta história teve um final feliz e por isso hoje consigo contá-la com um misto de felicidade e nó na garganta.
A imagem dele a chorar permanece até hoje na minha cabeça.
Adoro histórias de lutas e vitórias...

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